PLANO DE TREINO
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Seja por uma questão de conveniência ou pura vontade de desafiar o corpo, o treino em jejum tem vindo a ganhar popularidade nos últimos tempos.
Tendências e modas à parte, o que diz a ciência sobre esta prática? O jejum é mesmo compatível com o treino? E para quem pode ser mais vantajoso? Neste artigo, explicamos-te tudo para poderes avaliar se treinar com o estômago vazio é uma opção para ti.
O treino em jejum é exatamente o que o nome sugere: praticar exercício físico sem ter comido nada nas horas anteriores.
Normalmente é realizado de manhã, logo após acordar. Isso significa não comer nada desde o jantar e saltar o pequeno-almoço antes do treino. Desta forma, a pessoa fica em jejum durante 8 a 10 horas, no mínimo.
Porém, também pode ser feito em qualquer momento do dia, desde que o corpo tenha ficado sem alimento durante um período significativo.
Esta prática está frequentemente associada ao jejum noturno – em que não há ingestão de alimentos entre o pôr e o nascer do sol, geralmente num intervalo de 12 horas – e ao jejum intermitente.
Esta abordagem alimentar alterna períodos de alimentação e jejum com janelas de 10 a 24 horas. Combinar jejum intermitente e treino é uma escolha popular entre corredores assíduos.
Durante o exercício físico em jejum, o nosso corpo tem duas opções para obter energia: usar glicogénio (uma forma armazenada do açúcar que obtemos através da alimentação) ou massa gorda. O organismo vai sempre utilizar primeiro o açúcar, uma vez que é uma fonte mais simples e rápida.
Contudo, após várias horas sem comer, as reservas de glicogénio são reduzidas. Como estas ainda não foram repostas com alimento, o corpo é obrigado a adaptar-se. Para isso, recorre à gordura armazenada como fonte primária de energia. Ou seja, quando treinas em jejum, o teu corpo vai queimar estes ácidos gordos.
Agora deves estar a pensar: esta alteração do metabolismo em jejum é mais eficaz do que um treino normal?
A verdade é que a ciência ainda não chegou a um consenso. Enquanto algumas pesquisas apontam benefícios, outras alertam para potenciais riscos e desvantagens. Vamos olhar para os dois lados da moeda.
Para treinos de baixa a média intensidade (como caminhadas, yoga, pilates e corridas leves), o treino em jejum pode proporcionar alguns benefícios.
1 - Aumento da queima de gordura
Sem reservas imediatas de açúcar, o corpo passa a usar gordura como fonte de energia em vez de hidratos de carbono. Será que há perda de gordura a longo prazo?
Alguns estudos demonstram que o treino em jejum pode promover uma maior oxidação lipídica, ou seja, o corpo usa mais gordura para produzir energia do que o exercício em regime de alimentação.
A promessa de uma maior queima de gordura em jejum leva muitas pessoas a optar por esta abordagem. No entanto, queimar mais gordura e emagrecer são coisas diferentes. Na realidade, não há provas de que treinar sem comer seja mais eficaz na perda de peso ou na queima de calorias.
2 - Melhoria da sensibilidade à insulina e saúde metabólica
Para algumas pessoas, praticar exercício físico de barriga vazia promove uma resposta mais eficaz à insulina.
Em jejum, o corpo torna-se mais sensível a esta hormona, o que pode levar a uma absorção mais eficiente da glicose pelas células. Isto permite regular melhor os níveis de açúcar no sangue.
Contudo, ainda são necessários mais estudos para compreender como o treino em jejum afeta os níveis de insulina – e se deve ou não ser recomendado para diabéticos.
3 - Simplicidade e eficiência de tempo
Afinal, quem é que tem motivação para acordar uma hora e meia antes do treino das 7h para tomar o pequeno-almoço?
Se és daquelas pessoas com horários ocupados ou que prefere fazer exercício de manhã, o treino em jejum pode ser uma solução muito conveniente. Como só precisas de te levantar, vestir e ir treinar, não perdes tempo a preparar e consumir uma refeição pré-treino.
Simplificar a rotina também te ajuda a ganhar uns minutos extra de sono e pode melhorar a adesão a um plano de treino regular.
Antes de tomares qualquer decisão, pondera as limitações e desvantagens que podes ter de enfrentar:
● Impacto na performance desportiva – a falta de reservas energéticas pode comprometer o desempenho na atividade física, especialmente em treinos de alta intensidade, endurance e treino de força em jejum
● Alterações hormonais e stress – o stress do exercício, combinado com o stress de negar ao nosso corpo uma importante fonte de combustível, pode causar distúrbios hormonais. O jejum pode promover o aumento dos níveis de cortisol (a hormona do stress), o que acaba por ser contraproducente
● Risco de perda de massa muscular – com poucas reservas de glicogénio, o corpo pode utilizar proteínas musculares para produzir energia, o que leva à diminuição de massa muscular
● Fadiga precoce – para algumas pessoas, a ausência de energia disponível provoca fadiga precoce, aumentando a sensação de cansaço e comprometendo a qualidade do treino
É seguro combinar jejum e exercício físico? Cada pessoa responde de forma diferente a este tipo de treino.
Algumas pessoas têm mais energia durante o jejum, enquanto outras podem sentir fraqueza ou tonturas. Há quem sinta que o pequeno-almoço os deixa mais lentos e cansados, enquanto outros não dispensam a “refeição mais importante do dia”.
Por isso, não há uma resposta simples. Dependerá de vários fatores, tais como os teus objetivos, a tua fisiologia e tolerância, o tipo de treino e até o jantar da véspera.
Algumas investigações sugerem que a prática de exercício em jejum pode ser mais prejudicial para o corpo das mulheres do que para o dos homens.
De forma geral, o treino em jejum pode ser uma boa opção para atletas de alta competição (com acompanhamento e planos de nutrição avançados), mas também para quem pratica exercícios de baixa intensidade ou aeróbicos.
Por outro lado, pode não ser indicado para:
● Quem tem como objetivo preservar ou aumentar a massa muscular, ou perder peso. Em treinos de alta intensidade (HIIT) e de força, por exemplo, tens de ingerir alimentos que te forneçam energia para garantir uma boa performance, bem como prevenir a fadiga e a degradação muscular. Assim, fazer jejum antes do treino parece não ser a escolha mais indicada
● Quem tem tendência para sentir tonturas ou quebras de energia quando passa muitas horas sem comer
● Pessoas com diabetes, hipoglicemia ou outros problemas derivados dos níveis de açúcar no sangue
● Grávidas
Apesar dos resultados científicos serem contraditórios, os especialistas estão de acordo em relação a algumas recomendações. Aqui ficam 6 sugestões para ajudar a reduzir os efeitos negativos do exercício em jejum:
● Consulta um profissional. Antes de adotares o jejum, aconselha-te junto de um médico ou nutricionista para garantir que a estratégia é adequada às tuas metas e necessidades
● Opta por treinos curtos de baixa intensidade. Deves começar com um treino de curta duração e pouco intenso para avaliar se esta é a escolha certa para ti
● Prefere treinar de manhã. Assim, aproveitas o período natural de jejum noturno e minimizas o tempo sem comer
● Ouve o teu corpo. Fica atento a teu nível de energia e a possíveis impactos prejudiciais, como fraqueza e tonturas
● Hidrata-te. A hidratação é fundamental para o bom funcionamento do organismo durante o jejum e ao longo do dia
● Lembra-te da refeição pós-treino. O teu corpo acabou de passar várias horas em jejum e precisa de energia. Depois do treino, repõe os nutrientes essenciais para garantir a recuperação muscular e repor os níveis de glicogénio. Para um pequeno-almoço saudável, aposta em frutas e cereais integrais, queijos, ovos, iogurtes, frutos secos e sementes
Com prós e contras na balança, treinar em jejum não é para todos. Para uns, pode ser mais conveniente; para outros, um verdadeiro desafio. Tudo depende do perfil e estilo de vida de cada um.
Um treino aeróbico em jejum é geralmente seguro e pode trazer benefícios para a saúde. Neste caso, adiar o pequeno-almoço pode ajudar a perder gordura, melhorar a saúde metabólica e a resposta à insulina, assim como facilitar o dia-a-dia de algumas pessoas.
No entanto, não deixa de ser uma prática sem riscos. A falta de energia disponível pode causar alterações hormonais, perda de massa muscular e fadiga precoce – especialmente em exercícios de alta intensidade e longa duração. Estes riscos podem afetar negativamente o desempenho no treino em jejum.
No fundo, cabe a cada um escolher como se sente mais confortável a treinar – tendo em conta os seus objetivos e a resposta do próprio corpo.
E tu, estás a pensar experimentar treinar em jejum? Antes de fazeres qualquer mudança na rotina de treino, deves consultar um profissional. Este acompanhamento é essencial para implementares a nova abordagem de forma adequada, sem comprometer os teus objetivos e a tua saúde.
Sobre o autor: Vítor Santos - Diretor Técnico do Grupo Fitness UP desde 2018 com vasta experiência na área de Personal Training e reconhecido, em 2013 e 2014, como Personal Trainer de referência nacional no 1º e 2º Congresso Nacional de Gestão de Health Clubs, respetivamente.